Você chega ao consultório como uma vítima de sequestro e de estupro.
A diferença é que o sequestro que você sofreu pode ter levado anos, sua vida inteira foi sequestrada, sua alma, seu coração, sua profissão, sua família, suas finanças.
O estupro não foi uma vez só, mas inúmeras vezes, e você só descobre isso quando constata com horror que jamais houve amor da outra parte, apenas uma estratégia de manipulação para obter de você o que o outro queria. Jamais houve honestidade, nem bondade, nem comprometimento.
Você foi traída no fundo do seu ser, naquilo que é mais caro, mais íntimo e mais vulnerável.
Ninguém acredita em você, nem você mesma. Até culpam você por ter caído nessa armadilha. Afinal, você, uma pessoa inteligente, sensível, ativa, como foi possível ser tão boba? Você também se culpa. Com certeza você fez algo de errado.
Criticar você por ter caído nessa armadilha é o mesmo que castigar alguém que caiu fora do barco no mar gelado e mal consegue se debater para ficar à tona.
Você nem sabe mais quem você é. Não sabe o que de fato aconteceu, pois nada faz sentido. Seus pensamentos e suas emoções estão num emaranhado incompreensível, ilógico e deprimente. Você se sente mentalmente desequilibrada, beirando à loucura.
Entra num círculo vicioso de raciocínios buscando sequências de causa e efeito, mas não encontra lógica alguma e não chega a lugar algum. Seus pensamentos circulam como insetos ao redor de um monte de lixo. Você entra no inútil raciocínio “e se”. E a dor lancinante no coração grita mais alto do que qualquer outro grito possível, abafando os últimos laivos de equilíbrio.
A lembrança daquele sorrisinho dele de prazer, de divertimento, velado e ao mesmo tempo intencionalmente aparente é de gelar o sangue nas veias. Sorrisinho meio escondido de prazer enquanto você rasgava seu peito, chorava, se descabelava, tentando desesperadamente uma saída.
Nas fases do luto definidas por Elisabeth Kubler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação –, por vezes você volta à fase de negação dos fatos. Nem encosta na fase da aceitação ainda, muito menos na compreensão. Por vezes fantasia a volta para o estado anterior em que você era paparicada e “amada” pelo psicopata, e se sentia a rainha do mundo. É um orbitar obsessivo em torno do psicopata, uma obsessão que ele metodicamente criou em você.
Todos os seus valores viraram do avesso, seus amigos distantes, sua família afastada. Você perdeu sua posição profissional, nem consegue mais funcionar.
Nas tentativas de agradá-lo, para reconquistar a fase paradisíaca inicial, foi sacrificando tudo. Mas de nada adiantou, só piorou.
Pode apresentar síndrome de pânico, agorafobia, insegurança, instabilidade emocional, incapacidade de gerir sua própria vida, depressão, angústia, ansiedade, medo. O ciúme devora você porque você assiste à glória da felicidade perfeita da criatura com a pessoa que sucedeu você. Você é que não presta. Detalhes da sua vida, sua intimidade, são expostos a público e os dois zombam de você.
É preciso repetir: VOCÊ NÃO FEZ NADA DE ERRADO!
Que tipo de criatura se aproveita do amor, da bondade, do voto de confiança, da dedicação que o outro lhe dá só para sugar mais, tirar mais vantagem e depois destruir? E, ainda por cima, ter prazer em destruir?
Você precisa URGENTEMENTE de ajuda, um bom terapeuta que saiba pelo que você está passando e, acima de tudo, que saiba como ajudar. Vale qualquer recurso que a ajude a começar a pôr ordem na sua alma devastada. Pois você precisa falar, falar, falar, nem que seja milhares de vezes a mesma coisa, até botar para fora essa loucura toda, até se desintoxicar do veneno que se infiltrou em suas veias, até começar a ter espaço para respirar outra vez.
DESESPERO = SOFRIMENTO – (menos) SENTIDO esta é a definição de Victor Frankl, sobrevivente de campos de concentração, médico, psiquiatra, criador da Logoterapia, autor de O homem em busca do sentido da vida.
A vítima de psicopata perde o sentido de tudo, inclusive de si mesma. Seu sofrimento não tem sentido. Daí o desespero abissal.
Você perdeu as suas barreiras protetoras. Você foi traída e violentada e assim construiu um muro ao redor de seu coração. Você nem sabe se tem um coração ainda.
VOCÊ NÃO FEZ NADA DE ERRADO!
VOCÊ NÃO ESTÁ LOUCA!
Por Júlia Bárány
(trecho do Manual de Sobrevivência para vítimas de psicopata, de Júlia Bárány, a ser lançado em breve)
Fonte: http://psicopatasentrenos.com.br/estado-emocionalpsicologico-da-vitima-de-abusador-emocional/