Violência perversa na relação intra – familiar

“Quando a tirania é doméstica e o desespero individual, a morte atinge seus objetivos: o sentimento de não-ser” (B. Lempert)

 

Muitas vezes esta relação doentia entre casais é negada e banalizada por não entender as sutilezas contidas nas agressões, sem vestígios tangíveis e as testemunhas fazem interpretações equivocadas partindo do olhar como se percebe no mundo valorativo pessoal. Não se trata de simples relações de conflitos e passionais, mas uma tentativa violenta de destruição moral chegando muitas vezes até física do outro, que não raro bem-sucedida conforme são divulgados pela mídia.

 

A violência perversa surge quando nos momentos de crise um indivíduo que têm defesas perversas não consegue assumir a responsabilidade de uma escolha difícil e o não respeito ao outro transcorre em diversos estágios:

 

  1. O Enredamento – vejamos o significado da palavra enredar: prender, atar, embaraçar. Segundo Hirigoyen (psicanalista e vitimóloga), este movimento perverso se instala quando o afetivo falha, ou quando existe uma proximidade excessivamente grande com o objeto amado. O enredamento é posto em ação por um indivíduo narcisista que quer paralisar seu/sua parceiro (a) colocando-o (a) em uma posição de indefinição e incerteza.

 

Como age o indivíduo narcisista? Ele impõe seu domínio para controlar o outro, pois teme que, se o outro estiver demasiadamente próximo, possa a vir a invadi-lo. Portanto, irá mantê-lo numa relação de dependência, ou mesmo propriedade para comprovar sua ‘onipotência’. Provoca no outro, duvidas, culpas, de forma que não consegue reagir. Sua vítima tem que continuar presente, para ser permanentemente frustrada e ao mesmo tempo, é preciso impedi-la de pensar, para que não venha a tomar consciência do processo. O denegrimento e os ataques subterrâneos são sistemáticos. Este processo só se torna possível, porque a vítima tem excesso de tolerância, chegando ao comportamento masoquista (que se deleita com o próprio sofrimento). A origem dessa tolerância tem a ver com uma aprendizagem baseada na lealdade familiar.

 

  1. A inversão dos papeis – os papeis são invertidos de forma que o agressor torna-se o agredido e a culpa permanece com a vítima. Para que isso possa ter credibilidade, o agressor desqualifica o outro, empurrando-o para um comportamento repreensível para que possa se justificar diante das testemunhas. As atitudes perversas vão desde: chiste (piadas); critica; pequenos toques desestabilizadores, de preferência em público; frieza; hostilidade; injúrias; sarcasmos; chegando até a rejeição sexual.

 

  1. A manipulação perversa – constitui uma violência indireta que causa perturbações graves tanto em criança quanto nos adultos. As referências e observações perversas representam um condicionamento negativo, uma lavagem cerebral. Este tipo de violência visa à maior parte das vezes a destruição do cônjuge, não podendo fazê-lo volta-se para a(s) criança(s).

 

  1. A sedução perversa – consiste em atrair irresistivelmente, atua por surpresa, em segredo. Não ataca jamais de maneira frontal, mas sempre de forma indireta, a fim de captar o desejo do outro que o admira, que lhe retorna uma boa imagem de si. Atua utilizando instintos protetores do outro. Trata-se de buscar no outro o objeto singular de sua fascinação.

 

  1. A estratégia perversa – não se precisa destruir de imediato o outro, apenas submetê-lo pouco a pouco a disposição. Importa apenas a conservação do poder e do controle. O enredamento em geral não é perceptível a observadores externos.

 

  1. A comunicação perversa – recusar a comunicação direta. A vítima tenta compreender o que é que este indivíduo tem contra ela. A negação da censura ou do conflito por parte do agressor paralisa a vítima, que não pode se defender. A agressão é perpetrada pela recusa em dar nome ao que se sucede, em discutir, em encontrar soluções juntos. Este tipo de comunicação impede o outro de pensar, compreender , reagir, a vítima perde o direito de ser ouvido. Com o perverso, o discurso é tortuoso, sem explicação, conduz a uma alienação recíproca. O máximo que se consegue chegar é a interpretação. Diante da falta da comunicação verbal direta a vítima recorre à correspondência.

 

  1. Deformação da linguagem – os perversos quando se comunicam com suas vítimas faz com que a entonação de voz seja fria, neutra, desagradável, monocórdio (usando sempre a mesma resposta), sem afetividade, deixam aflorar frases de menosprezo, ironia, censuras não verbalizadas, ameaças veladas, subentendidos, voz seca, brusca, mensagens vagas que acarretam confusão, etc. O que domina é o manejo do sarcasmo, do escárnio (riso motejador), do desprezo sobre a vítima.

 

  1. Mentiras – o perverso utiliza de uma junção de subentendidos e de não-ditos, destinada a criar mal-entendido, para em seguida explorá-lo em proveito próprio. Agem com sagacidade. Essas falsificações da verdade criada pelo perverso narcisista são similares a construção delirante. O perverso narcisista gosta de controvérsias. Usam de maquinações para provocar rivalidades e ciúmes entre as pessoas.

 

  1. O uso do paradoxo – o paradoxo surge do desacordo entre as palavras que são ditas e o tom ou gesto em que essas palavras são proferidas. O objetivo é abalar a autoconfiança do outro. Consiste em fazer o outro sentir a tensão e a hostilidade, sem que nada seja expresso neste sentido. São agressões indiretas servidas nos objetos: bater portas, jogar coisas, e depois negar a agressão.

 

  1. O ódio torna-se visível – com a violência em ato. Na forma de depreciação, violência física, verbal, falta de tolerância, injúrias, chantagens, o outro é acuado, com violências reais chegando ao assassinato.

 

Neste tipo de violência é preciso intervenção jurídica para bloquear a propagação do processo no comportamento perverso.

 

Por: Dainir Feguri

Psicóloga atuante nas áreas da justiça e saúde

Fonte: https://gneroalternativaspenais.blogspot.com/2009/03/violencia-perversa-na-relacao-intra.html?m=1