É normal não amar a própria mãe?

Refletindo a respeito do narcisismo e do abuso sofrido, sentindo-se repleta de raiva de sua mãe, você conclui que o amor que, até então, nutria não existe mais. Sentindo-se inadequada e culpada pela escassez de afeto por quem a pôs no mundo, você se pergunta: “É normal não amar a própria mãe?”

A resposta, decerto, é um grande e rotundo “SIM!”.

Quando bebê, você é programada para amar a mãe ou o adulto responsável por seus cuidados. Nos primeiros anos de vida, o amor que você sente por quem cuida é automático, pois consiste em um fator biológico. Este amor de natureza orgânica assegura o seu desenvolvimento e o sucesso de nossa espécie, já que nascemos totalmente frágeis e vulneráveis a um grande número de perigos e, precisamos, portanto, do cuidado e da proteção de um adulto.

Ao longo de nosso crescimento, passamos por vários estágios de desenvolvimento e aprendizado. Devido à influência de nossa cultura, religião e sabedoria popular, o significado do conceito “mãe”, como muitos outros, torna-se rígido. Você passa a acreditar que “mãe” significa “amor”.

Logo, na sua cabeça…

MÃE = AMOR

Esse conhecimento é adquirido e sedimentado de forma arbitrária. Questionar a validade desta crença em um país predominantemente católico como o Brasil, é como cuspir na cara da Virgem Maria. Mesmo que isto não reflita a sua realidade, você, no entanto, fica proibida de contrariar esta premissa, pois de uma mãe só se espera o bem. Toda mãe ama seus filhos, portanto, é seu dever honrá-la.

Crescer com esta falsa verdade tem um impacto de peso na saúde psicológica e emocional da filha de mãe narcisista. A contrariedade entre teoria e prática é tão grande, que acaba por se sentir como uma eterna farsa. Com a sua essência altamente abalada por não se encaixar no molde, a filha de mãe narcisista chega à idade adulta com um grande ponto de interrogação estampado na sua autoestima:

Por que a minha mãe não me ama?

O que há de errado comigo?

Por que ela me trata tão mal, me rejeita e me ataca verbalmente, quando tudo o que faço é amá-la e tratá-la bem?

O que eu fiz para merecer isso?

Estas e muitas outras perguntas nunca são respondidas e você amadurece sentindo-se insegura e perdida. Com o passar do tempo, a sua angústia se cristaliza transformando-se em uma permanente ansiedade que, por sua vez, torna-se uma característica fixa de sua personalidade.

Um belo dia você se dá de cara com a verdade narcisista. Você descobre que o problema da sua mãe tem nome: transtorno de personalidade narcisista. Tudo começa a fazer sentido e fica difícil de ignorar os fatos: não há nada de errado com você, mas há algo de muito errado com a sua mãe. A sua mãe é diferente.

No caso dela…

MÃE NARCISISTA > AMOR

…ou seja, quanto mais narcisista menor a capacidade dela de nutrir amor genuíno por você.

Você se dá conta de que o suposto “amor” que até então mantinha vocês pretensamente unidas não passa de uma ilusão. Você compreende que este amor de mentira é como uma avenida de mão única na qual você passa a vida caminhando, sempre em frente na direção de sua mãe narcisista sem nunca alcançá-la.

Como você não é mais uma criança inexperiente e despreparada, enfim, compreende que alimentar este amor de mentira está lhe deixando doente. Por outro lado, você se sente forte e madura o suficiente para confrontar a noção de que laço sanguíneo se iguala a amor. Você entende que não é só porque ela a pôs no mundo que de fato a queira, respeite ou ame.

Pouco a pouco, você começa a restaurar a sua dignidade. Movida por uma intensa raiva de ter sido tão traída e injustiçada por tudo e por todos – tanto por quem a devia ter protegido, como por uma cultura absolutista e matriarcal que glorifica o papel da mãe enquanto negligencia o bem-estar da criança, promovendo a pressuposta superioridade da primeira, inadvertidamente e em todos os contextos familiares, criando as condições perfeitas para a prática e a manutenção do abuso.

Devido ao fato de você ter o mínimo de amor-próprio, você refuta a validade de uma dedicação cega. Das profundezas de uma autoestima destroçada, você se reergue. É neste preciso momento de reivindicação de sua própria alma que você reconhece que o “amor” antes sentido desvaneceu-se. “É normal não amar a própria mãe?”, você pergunta.

A resposta, é claro, é um grande, rotundo “SIM!”.

 

Por Michele Engelke, autora do livro: Prisioneiras do Espelho, Um Guia de Liberdade Pessoal para Filhas de Mães Narcisistas.
Fonte: https://filhasdemaesnarcisistas.com.br/blog/